Resenha Crítica: A pesquisa empírica em Direito no Brasil e as suas exigências
- GPDS
- 9 de nov. de 2017
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VETORES, DESAFIOS E APOSTAS POSSÍVEIS NA PESQUISA EMPÍRICA EM DIREITO NO BRASIL // Fabio de Sá e Silva. Revista de Estudos Empíricos em Direito. Brazilian Journal of Empirical Legal Studies vol. 3, n. 1, jan 2016, p. 24-53
O horizonte da pesquisa empírica em Direito no Brasil pode ser descrito como estimulante, inspirador e alentador. Para entender essas características, é necessário compreender as circunstâncias e as condições que cercam essa atividade e, ainda, os desafios que se impõem para tanto. A partir de uma revisão bibliográfica, de dados primários coletados e, por fim, da sua própria experiência, o autor busca examinar o que decidiu por chamar de vetores, desafios e apostas possíveis na pesquisa empírica em Direito no Brasil.
O aparecimento de comunidades epistêmicas; o lançamento de periódicos especializados; e a maior disponibilidade de recursos para projetos são os fatores que o autor aponta como responsáveis pelo terreno fértil para a realização de pesquisas empíricas. Esse último fator - recursos para os projetos - já não é mais tão presente na conjuntura atual se comparado ao ano em que os dados para o artigo foram coletados (2014). Entretanto, o que parece importar nesse quadro, conforme propõe o autor, é que ele fez emergir um conhecimento diferente daquele hegemônico na década de 1980 no âmbito do Direito. Isto é, a produção e a difusão do conhecimento jurídico não se limitou mais, por exemplo, pela confusão entre o mundo profissional e excelência acadêmica ou pelo uso de textos legais e doutrinários como fonte exclusiva dos trabalhos.
Para explicar a emergência desse novo tipo de conhecimento na conjuntura brasileira, são apresentados cinco vetores pelo autor. O primeiro é a exaustão do positivismo jurídico a partir do final do século XX, momento em que a filosofia e as ciências sociais criticaram que o conhecimento do Direito fosse uma tarefa meramente analítica e descritiva. Nessa perspectiva, os estudos jurídicos críticos surgiram a fim de questionar justamente a fragilidade e os interesses ocultos das ordens jurídicas vigentes. Na América Latina, o argentino Luís Alberto Warat pode ser apontado como o precursor.
A reforma do ensino jurídico pode ser apresentada como o segundo vetor, cabendo destacar três aspectos dessa reforma: i) o estabelecimento de novos princípios; ii) as novas possibilidades de arranjos disciplinares; e iii) os novos instrumentos para a mediação das relações de ensino/aprendizagem como os Núcleos de Prática Jurídica. Assim, o próprio ambiente de ensino incorporou uma nova forma de produzir conhecimento.
Conjuntamente, há o advento da democracia e a apropriação do direito por outros atores acadêmicos e sociais. Alguns atores passam a investir no direito, considerando sua natureza hermenêutica e pragmática como os advogados populares; outros, por outro lado, o tomam como objeto de estudo a partir da ótica da ciência política, da sociologia e da antropologia. Essas contribuições de outras disciplinas permitiriam esgarçar ainda mais os limites teóricos e metodológicos pelos quais o direito pode ser apreendido. As novas apropriações e utilizações do Direito permitiram uma maior instrumentalização e, consequentemente, um chamamento desse saber para o engajamento na produção técnico-científica de políticas públicas. Por fim, o próprio processo de globalização permitiu o intercâmbio de acadêmicos brasileiros e a formação de uma comunidade científica mais voltada para o estudo do law in action, em contraposição ao law in books.
Diante dessas possibilidades para a pesquisa empírica, é necessário, segundo o autor, estar atento a questões oriundas de dois planos: i) o epistemológico (“o que” e “por que” produzir essas pesquisas); e ii) o procedimental (“como” produzir elas). O primeiro plano vai tratar do objeto, considerando o direito sob a ótica do pluralismo jurídico, e dos objetivos, apontando para um programa de intervenção na realidade. O segundo plano vai tratar do desenho das pesquisas diante da diversidade de métodos e de estratégias na condução da pesquisa. Assim, para a construção do problema de pesquisa, dois elementos são tomados como merecedores de maior atenção: o método e a ética. O método, para o autor, deve ser condizente com o problema proposto. A ética seria a incorporação da preocupação sobre como prestar contas aos sujeitos e às práticas sociais a partir dos quais as pesquisas são construídas. Assim, o autor finaliza o texto com mais proposições e questionamentos do que respostas sobre a pesquisa empírica em Direito no Brasil.
A leitura do texto permite perceber que a intersecção entre a pesquisa empírica e o seu uso na demanda por políticas públicas impõe que tais pesquisas sejam realizadas não apenas pela perspectiva de paradigmas científicos; aponta-se, por isso, para a necessidade de que sejam realizadas sob o prisma das comunidades epistêmicas também. O conhecimento proposto pelas pesquisas empíricas, dessa forma, é visto pelo seu valor científico intrínseco e, simultaneamente, pelo seu valor perante as demandas sociais. São essas exigências que colocam a pesquisa empírica dentro desse terreno estimulante, inspirador e alentador.