Resenha Crítica: A diversidade na entidade de classe da advocacia canadense: uma comemoração a ser a
- GPDS
- 2 de nov. de 2017
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SEMPLE, Noel. Male, pale and stale? Diversity in lawyers’ leadership. Canadian Journal of Law and Society / Revue Canadienne Droit et Société, 2016, Volume 31, no. 3, pp. 405–427. doi:10.1017/cls.2016.33.
A questão da diversidade nas diversas instituições que permeiam o mundo jurídico é recorrente nos recentes estudos de sociologia do direito. Sobre esse tema, podemos notar uma predominância no direcionamento dos objetos de estudo para os órgãos jurisdicionais do Estado, como os tribunais; ou para o ensino do direito, enfocando as faculdades públicas. Entidades representativas de classe, embora contenham relevante importância para a compreensão do campo jurídico, raramente são estudadas. A presente resenha, para ajudar a suprir esse déficit, trata do artigo2 publicado no 31o Canadian Journal of Law and Society, do jurista canadense Noel Semple, professor da Universidade de Windsor, com o título “Male, pale and stale? Diversity in lawyers’ leadership”.
É lugar-comum o perfil das elites jurídicas ser branco, masculino e de meia-idade. É esse o perfil dominante no campo, que, devido as próprias dinâmicas de interação, gera e controla métodos de acesso que privilegiam essas características. Entretanto, quando os advogados têm de eleger uma liderança, em quem votam? É essa a pergunta que Semple, olhando para o contexto de Ontario, no Canadá, busca responder. Para isso, usa um método quantitativo de análise das eleições, feitas de 4 em 4 anos, do período de 1999 a 2015. Compreende ser a Law Society, entidade representativa de advogados do local, um espaço importante por duas razões: a) é uma posição de elite, que carrega consigo prestígio e poder; e b) é a organização responsável pela regulação da profissão, caracterizando-se como um espaço de disputa. As eleições são distritais, diretas e individuais; não há inscrição de chapas. Ao todo, são quarenta vagas a serem ocupadas nos “bancos” da direção, que elegerão a diretoria-executiva.
O autor faz uma breve revisão bibliográfica do debate sobre a diversidade no direito, especialmente norte-americano. Os estudos indicam uma predominância do já mencionado perfil, conforme os trabalhos de Ronit Dinovitzer (2015), Clare McGlynn (2015), Michael Tutton (2016) e David Doorey (2012), importantes pesquisadores, aliados, também, a relatórios estatais. As hipóteses trazidas pelo autor são de que a) tanto mulheres como pessoas não brancas seriam sub-representadas; b) o tamanho do escritório de origem importaria nos votos; e, por fim, c) os advogados em início de carreira seriam sub-representados.
A análise dos dados coletados foi feita a partir de vários indicadores comparativos dos recortes de diversidade feitos. Comparou-se os eleitos com todos os candidatos da eleição em questão; com a população de advogados de Ontario à época da eleição; e, também, com a população geral de Ontario nesse período. Os primeiros gráficos são relativos à diversidade de não-brancos, que, segundo a interpretação do autor, afastam a hipótese de da sub-representação. Semple descobre que, tomando como base o ano de 1999, onde havia 5% dos eleitos não-brancos, os 22% da eleição de 2015 são condizentes com os 20% de advogados não-brancos. O mesmo ocorre com o recorte de gênero, onde diz que há, inclusive, uma ligeira vantagem em ser mulher nas disputas eleitorais. Em 1999, havia 22% de mulheres eleitas; em 2015, 40%. Todavia, o mesmo não ocorreu com os advogados em início de carreira (com menos de dez anos de prática), completamente sub-representados: 22% das cadeiras, do total de 35%. Em sua conclusão, Semple, que não analisou completamente todas hipóteses propostas, aposta em uma visão otimista da questão, de que de fato novas oportunidades estariam surgindo para aqueles que não seguem o padrão estabelecido, fato a ser comemorado.
Muito embora o estudo de Semple seja inovador no tocante ao objeto de pesquisa, a falta de informação sobre a dinâmica real do campo jurídico distorceu as conclusões dos próprios dados empíricos. Eleições são eventos de disputa, geralmente entre grupos, apesar de nominais, onde a força das pautas são medidas conforme o poder de persuasão daqueles que a defendem; a questão não pode ser simplificada e objetivada de tal maneira - uma mera análise quantitativa - sem antes entender os interesses e as disputas do próprio campo. Conforme os dados obtidos, a proporção de não-brancos nos bancos eleitos era deficitária até a eleição de 2011, quando tal proporção quadruplicou. O mesmo ocorreu com a proporção de gênero, que saltou em eleições pontuais, provavelmente mediante a mobilização de bandeiras como a diversidade. Uma análise do campo da entidade e desses fatos pontuais mencionados seria, de fato, muito mais interessante - e esclarecedora - do que uma rasa observação quantitativa da “diversidade” e “representatividade” na Law Society de Ontario. Portanto, ainda que os dados pareçam conclusivos, sem um estudo profundo da dinâmica do campo em questão, a comemoração proposta por Semple, embora com boas intenções, deve ser adiada e, suas conclusões, revisadas.
Pesquisador voluntário a nível de iniciação científica do Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade e graduando do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Para acesso ao artigo: https://www.cambridge.org/core/journals/canadian-journal-of-law-and-society- larevue-canadienne-droit-et-societe/article/male-pale-and-stale-diversity-in- lawyersleadership/8A6D712E356BC4B98C9BB1CAA584C3D5